domingo, 30 de junho de 2013

Renato Russo Sinfônico? Que decepção!




Ontem (29/06/2013), no Estádio Mané Garrincha, em Brasília, aconteceu um dos tributos mais decepcionantes a que assisti até hoje: RENATO RUSSO SINFÔNICO. Sejamos sinceros: Dado, Bonfá e Wagner Moura foram muito melhores que isso! E a família meteu o pau na época! Aquele teve alma, emoção, e tinha quem mais entende de Legião: Dado e Bonfá! Agora, este tributo... Péssimas participações, salvo raríssimas exceções. Cantores sem nenhuma afinidade com a obra. O que percebemos de positivo é ver como o Renato é insubstituível. Ninguém consegue superá-lo, ele era único. Percebemos claramente que aquelas canções são difíceis de cantar, só o Renato poderia interpretá-las, por isso Dado e Bonfá sabiamente encerraram as atividades da banda em 1996.
A parte instrumental, principalmente a orquestra, o violino de Anne Marie ("Por enquanto"/"Quando o sol bater na janela do teu quarto") e banjo de Hamilton de Holanda ("Índios") foram perfeitos. Mas os convidados que cantaram... Livro a cara do André Gonzales, Lobão (nem cantou bem "Perfeição", fez a última parte com voz empostada, mas é o Lobão, da geração 80, ele pode), a Ellen Oléria (mandou bem "O Teatro do Vampiros", embora sempre queira gritar mais que o necessário, como fez no final da canção), Alexandre Carlo (fez o feijão com arroz em "Faroeste Caboclo" e ganhou a plateia). O holograma de Renato, ao cantar "Há Tempos", emocionou a muitos, como se viesse e voltasse por meio de uma força divina. A intenção foi boa, embora ele tenha ficado muito azul, imperfeito. (Na verdade, sempre achei essa ideia meio fantasmagórica.) Vejam o holograma do 2Pac e vejam a diferença.
Valeu a presença do Negrete, sempre esquecido, que ainda segura bem o baixo, mesmo com algumas sequelas irreversíveis, o que pode ser percebido quando ele fala ou quando tentou cantar "Que País é Este". Sandra de Sá ressurgiu das cinzas, errou a letra (na verdade, todo mundo errou a letra. Eles ensaiaram?) e ficou gritando o tempo todo, achando que isso é atitude roqueira. Jerry Adriani foi o gande 'mico' da noite: desafinado, querendo imitar alguns trejeitos do Renato, errando a letra ("Lembra o sol dessa manhã tão cinza"? O quê?) Causou vergonha alheia. É para esquecer. A ideia de juntar mãe e filha apra cantar "Pais e filhos" foi boa, mas o resultado... Zizi Possi e Luiz Possi totalmente fora de sintonia... Jorge Du Peixe, sem condições de cantar "Soldados".
Fernanda Takai (gosto dela, o Renato também a adorava, assim como adorava a sua banda, Pato Fu)não conseguiu cantar "Giz"; Ivete Santago em tributo ao Renato é um grande desrespeito aos fãs e à memória do poeta. Zélia Duncan não empolgou.
Sinceramente, uma noite para se esquecer. Decepcionante. Ainda mais num local onde a Legião nunca mais tocaria se estivesse na ativa.
Por favor, esqueçam essa coisa de tributos, homenagens, pois cada vez fica pior, caricato, desrespeitoso com a banda e com os fãs. A melhor homenagem? Os álbuns da Legião que continuam sendo vendidos até hoje. O grande legado são as canções que sobrevivem ao tempo, são atemporais e estarão sempre na memória, nas bocas e nos corações de várias gerações.

Para quem perdeu o show, que foi transmitido pela Multishow (que tentou transmitir ao vivo, mas, devido a falhas técnicas, acabou reprisando logo a seguir) pode conferir na íntegra:

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Paulo Ricardo x Renato Russo: Homens de Letras e Coincidências


Paulo Ricardo x Renato Russo: Homens de Letras e Coincidências
(Tom Leão - Bizz Abril de 86)

Um refrigerado restaurante em uma fornalha de tarde carioca. Este o local do crime, onde Tom Leão conseguiu reunir os vocalistas da Legião Urbana e do RPM, e também dois dos melhores letristas do rock brasileiro. Não foi preciso mais que uma pergunta para disparar o fogo cruzado.

Bizz - O que vocês faziam antes de suas respectivas bandas?

Renato - Eu dava aulas de inglês por dinheiro, mas adorava. Depois que terminar as coisas que estou fazendo, pretendo voltar a dar aula. Eu tentava ser para os alunos um mentor, alguém em que eles pudessem confiar, o que falta muito hoje em dia. Se eu não tivesse tido professores legais, talvez hoje estivesse trabalhando no Banco do Brasil.

Paulo - Eu era crítico de música por trabalho, para ganhar dinheiro e sair de casa. Com 18 anos, saí e formei uma banda, na qual já tinha o Schiavon. Comecei no Canja e passei para a Somtrês, mas em 83 já tava de saco cheio de escrever. Então um dia simplesmente deixei de entregar as matérias.

Renato- O que você ouve atualmente?

Paulo - James Brown e Marvin Gaye. Comprei todos do Hendrix, Cult...

Renato - Você gosta de ler?

Paulo - Sim, mas tenho problema com textos longos, tipo Ulisses. Acho que deveria ler mais os clássicos.

Renato - Como você compõem? Paulo - Normalmente coloco a letra em cima da melodia... Renato - Antigamente eu escrevia as letras antes, e depois ia encaixando nas músicas. Atualmente já penso mais como é que vai ficar a letra na música e tento fazer junto. Qual a que você mais gostou de compor?

Paulo - "Revoluções Por Minuto". Foi a que me deu mais trabalho. Fiz umas cinco versões...

Renato - A que eu mais gosto é "A Cruz e a Espada". Você é quem compõem todas?

Paulo - Neste disco calhou de a maioria das músicas serem minhas. Mas existem algumas todas minhas e outras que o Schiavon fez a música e eu meti as letras...

Renato - E tua formação musical qual é?

Paulo - Minha primeira referência é a Jovem Guarda. Desde garotinho adorava contar as músicas, sabia todas as do Roberto Carlos da época Em Ritmo De Aventura. Na época, inclusive, eu fui manequim infantil, mas parei com oito anos porque comecei a achar coisa de veado...

Renato - Eu não gostava de Jovem Guarda, de xerox, de coisa cantada em português. Com cinco aninhos eu já ouvia Beatles...

Paulo - Eu adoro Beatles, mas com doze anos eu ainda ouvia muita trilha de novela, muito Elton John, Jackson Five, Stevie Wonder... Sempre fui apaixonado por música negra. Eu sou carioca, até 72 morei no Rio, depois Florianópolis, mas Beatles só foi pintar pra mim em Brasília...

Renato - Você morou em Brasília?

Paulo - Três anos... Renato - Ih, é? Quando?

Paulo - 74-76.  Renato - Onde? Paulo - Na 209 sul.

Renato - Você gostava de Brasília?

Paulo - Eu odiava. Porque eu saí do Rio, aí fui morar em Florianópolis, maior paraíso, vida de moleque de rua, praia, mil gatinhas... Foi um horror. Tinha 12, 13 anos, era uma época de ajustamento social. Eu não gostava daqueles guetos, aqui só para filhos de militares, todo mundo é filho de alguém, não se misturam, não trocam idéias. Tinha acabado de sair do paraíso para o planalto central. Eu não acreditava. Sentia o ar seco. Não gostava da divisão, eixão, eixinho, todos os prédios iguais... Era uma cidade muito boa para velho ou criança. Era calmo, muito playground.

Renato - É gozado, pois a gente pegou isso e começou a trabalhar justamente em cima disso. Anarquizar mesmo. Você foi numa idade foda. Com 16, 17 você barbariza. As turmas são jóias.

Paulo - E eu ainda usava óculos, os garotos maiores implicavam comigo.

Renato - Eu morei dois em Nova York, entre 67 e 69, com Monkess e Jimi Hendrix fazendo shows do lado e eu nem sabia. Então, quando fui para Brasília (Renato também é carioca), cheguei sabendo de tudo e aqui não tinha nada. Tinha esquecido como era o Brasil, como era feio esse lugar. Lá eu tinha tudo, TV a cores (aqui só chegou em 72). Aqui meu pai ligava o rádio e vinha aquela coisa horrorosa (cantarola "O Guarani", abertura da Voz do Brasil), eu morria de medo. Eu não sabia o que tava rolando na época (70), mas sentia alguma coisa errada. Parecia sempre que tinha morrido alguém. Mas me adaptei. Andava meio deslocado, usava óculos, e minha arma quando os caras vinham querendo dar porrada era contar histórias sobre como era a Disneylândia. Pra qualquer festinha sempre me chamavam pra discotecário, pois eu tinha todos os discos, até os de novela...

Paulo - Ainda tinha o problema das meninas que eram inatingíveis, sempre propriedade dos caras mais fortes. Eu tinha um pouco de complexo de inferioridade, não era bom em nenhum esporte, detestava futebol. Eu só gostava de bicicleta, às vezes ia pedalando até o aeroporto...

Renato - Que é longe pacas. Ao invés de jogar futebol eu ia ao cinema ou ficava ouvindo discos em casa. Depois que ganhei a fama de roqueiro, passaram a me achar maior perigo, tipo assim, aquele ali é maconheiro.

Paulo - Era gozado, pois, se você era diferente, era esquisito ou roqueiro.

Renato - Nessa época eu ouvia muito Pink Floyd, Genesis, James Taylor. O lance com menina rolava mais por causa de música, não era bem um namoro e ao mesmo tempo era. Mas eu era mesmo fã dos Beatles. Quando eles acabaram eu queria morrer. Eu era fã mesmo, achava que era o maior fã do mundo...

Paulo - Depois dos Beatles minha maior influência foi o Genesis, com Peter Gabriel, e depois o Led Zeppelin, mais lá pros 15 anos.

Renato - Para mim, depois dos Beatles, vinha Emerson, Lake & Palmer. Depois que acabaram todas as grandes bandas, eu desisti. Aí descobri o Dylan e desencavei todos os seus discos e passei a ouvir muito folk, Byrds, até chegar o punk. Oba! Descobri uma razão para viver. Aí vieram Siouxsie & The Banshees, The Cure, P.I.L. Pintou o Aborto Elétrico (primeira banda punk de Brasília). Imagina você ter um conjunto chamado Aborto Elétrico, numa época em que você não podia ter nem conjunto. Uma vez perguntaram ao Fê, que hoje é baterista do Capital Inicial, se ele era contra ou a favor do aborto elétrico, como se fosse algum anticoncepcional a laser. (Risos)

Paulo - Eu não fui afetado pelo punk, pois era um puta perfeccionista. Na época eu delirei muito com o primeiro disco do Beto Guedes.

Renato - A gente precisa tomar cuidado com esses aí, que eles vivem pegando idéias da gente. Eu ia gravar "London, London" também... A gente tinha uma música chamada chamada "Revoluções por Minuto"...

Paulo - Foi sem querer.

Renato - É super, né? Supercoincidência. (E por coincidência também, pintam no som ambiente, em seqüência, "A Cruz e a Espada", do RPM, e "Soldados", da Legião).