sexta-feira, 11 de março de 2011

Minhas primeiras impressões de A TEMPESTADE (parte I)


Em dezembro de 1996, após a tempestade que devastou o rock nacional e os corações de milhares de legionários que cresceram ouvindo Legião Urbana, finalmente comprei A TEMPESTADE OU O LIVRO DOS DIAS, disco-testamento do poeta Renato Russo, que lançou junto com Dado e Bonfá na chegada da primavera daquele ano e veio a partir menos de um mês depois, em 11 de outubro de 1996.
Ouvir o disco após a partida de Renato me fez sentir a consciência da dor, da certeza pragmática do fim triste e solitário dinate de um mundo feroz. A fúria do mundo, cantada a plenos pulmões durante toda a sua vida artística, acabou consumindo o poeta, fazendo-o silenciar. Para alguém tão sensível como ele, esse mundo louco era pesado demais.
Quando comprei o cd, o formato de livrinho já havia saído das lojas, ficando o modelo cd comum (mais tarde consegui com um amigo o 1º formato). A capa azul é triste, os carimbos de flores em tons azuis também é triste. O encarte é triste. A foto da banda é triste. A epígrafe (citação de Oswald de Andrade) é triste. As músicas são tristes. As letras, claro, são tristes. Muito tristes.
O cd abre com a profética "Natália", um rock pesado que inicia com os versos: "Vamos falar de pesticidas / E de tragédias radioativas / De doenças incuráveis / Vamos falar de sua vida". A letra fala ainda de hipocrisia, de solidão e, quando tudo parece perdido, há uma esperança, uma luz cinza no fim do túnel e Renato parece querer se agarrar a ela, mesmo diante do seu desespero: "Quando tudo é solidão / É preciso acreditar num novo dia / Na nossa grande geração perdida / Nos meninos e meninas / Nos trevos de quatro folhas / A escuridão ainda é pior / Que essa luz cinza / Mas estamos vivos ainda". O refrão é cantado com a ajuda dos backing vocals de Dado e Bonfá: "E quem sabe um dia eu escrevo uma canção pra você".
Respirei muito: já era muita coisa, e ainda era apenas a música de abertura; ainda havia muito para se ouvir.
Em seguida, uma das coisas mais tristes que Renato escreveu: "L'Avventura". Guitarrinha estilo rock inglês, bateria bem insteressante, teclados melancólicos (Carlos Trilha tocos todos os teclados do cd), com um letra linda e triste: "Qaundo não há compaixão / Ou mesmo um gesto de ajuda / O que pensar da vida / E daqueles que sabemos que amamos? / (...) / Seu olhar não conta mais estórias / Não brota o fruto e nem a flor / E nem o céu é belo e prateado / E o que eu era eu não sei mais / E não tenho nada pra lembrar / (...) / E eu sei por que você fugiu / Mas não consigo entender". E tudo com uma voz que sai lá do fundo, triste, resignada, emocionada.
A próxima canção ("Música de Trabalho") é uma das bandeiras da banda: a defesa às classes menos favorecidas. Aqui, como em "Fábrica", temos a voz do trabalhador pobre e explorado. A letra denuncia: "Sei que existe injustiça / Eu sei o que acontece / Tenho medo da polícia / Eu sei o que acontece". Guitarras pesadas dão um clima de crítica social à canção, que termina de forma intista: "E quando chega o fim do dia / Eu só penso em descansar / E voltar pra casa, pros teus braços / (...)".
"Longe do Meu Lado" entra em seguida... para me fazer chorar pela 1ª vez. Dor, melancolia, uma letra soturna declamada por um vocal dolorido, que expunha o estado de espírito de Renato. Só voz, teclados e um rhythm track discreto. "Se a paixão fosse realmente um bálsamo / O mundo não pareceria tão equivocado / (...) / A paixão já passou em minha vida / Foi até bom mas ao final deu tudo errado / E agora carrego em mm / Uma dor triste, um coração equivocado / (...) / A paixão quer sangue e corações arruinados / E saudade é só mágoa por ter sido / Feito tanto estrago / E essa escravidão e essa dor não quero mais / (...) / Eu também sei que dizem / Que não existe amor errado / Mas entenda, não quero estar apaixonado". Muito triste.
E quando nada pode ser mais triste, entra "A Via Láctea", canção que havia invadido as rádios antes do lançamento do cd, com um vocal comovente e um instrumental melancólico. A canção já começa assim: Quando tudo está perdido / Sempre existe um caminho / Quando tudo está perdido / Sempre existe uma luz / Mas não me diga isso / Hoje a tristeza não é passageira / Hoje fiquei com febre a tarde inteira / E quando chegar a noite / Cada estrela parecerá uma lágrima". Renato dava seus recados, mostrava que a doença já avançava consideravelmente. A tristeza imergia em seu espírito: "Eu nem sei por que  me sinto assim / Vem de repente um anjo triste perto de mim". O recado para os fãs: "Não me dê atenção / Mas obrigado por pensar em mim". A minha tristeza aumentava cada vez mais, ainda mais quando, nos final da canção, aumentando o volume, podia-se ouvir a respiração ofegante de Renato ao final de cada verso.
Em seguida, a batida moderna de "Música Ambiente" dava um certo alívio, mas a letra falava de despedida, de mais um encontro que não deu certo. Mais um recado: "E quando eu for embora / Não, não chore por mim".
"Aloha", um hino da juventude, bem ao gosto da Legião, bem que poderia ter sido a música de trabalho do disco: essa é bem Legião: baixo, guitarra, bateriae violão se destacam, é aquele rock legionário que pode ser reconhecido desde o 1º acorde: "Ei, isso parece Legião", qulaquer um que não conhece pode dizer quando ouve sua introdução. A letra se coloca em favor da juventude, tantas vezes controlada e alienada por interesses daqueles que querem os jovens de boca fechada, sem pensar e reivindicar: "Será que ninguém vê o caos em que vivemos / Os jovens são tão jovens e fica tudo por isso mesmo / A juventude é rica, a juventude é pobre / A juventude sofre e ninguém parece perceber / (...) / Todo adulto tem inveja dos mais jovens / (...) / E meus amigos parecem ter medo / De quem fala o que sentiu / De quem pensa diferente / Nos querem todos iguais / Assim é bem mais fácil nos controlar / E mentir mentir mentir / E matar matar matar / O que eu tenho de melhor: minha esperança / (...)". Excelente canção, que faz esquecer um pouco a tristeza que permeia o álbum.
"Soul Parsifal" tem uma levada bem pop em que Marisa Monte assina a autoria da canção junto com o poeta, com uma letra em que Renato fala sobre sua vida, sua individualidade: "Ninguém vai me dizer oq ue sentir / Meu coração está disperso / (...) / Estive cansado / Meu orgulho me deixou cansado / Meu egoísmo me deixou cansado / Minha vaidade me deixou cansado / Não falo pelos outros / Só falo por mim / (...)".

Bom, amanhã continuo falando sobre as minhas primeiras impressões de A TEMPESTADE. 

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