quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Monografia "A poética Romântica de Renato Russo" - Renato Russo, o Romântico


V. Renato Russo, o Romântico
Renato Russo foi, definitivamente, um poeta.
Sua trajetória, seu estilo de vida, seus ideais, seus anseios, sua melancolia, sua rebeldia, sua individualidade são dignas de um poeta romântico do século XIX.
Quando perguntado, numa entrevista ao Jô Soares em 1994, se ele se considerava um lírico, Renato foi incisivo em sua resposta: Romântico.
Essa distinção de Renato é importante para analisar o seu trabalho como uma obra influenciada pelas características românticas. Isso porque canções que tratam de amor e de desilusões afetivas logo são caracterizadas como românticas, quando na verdade são canções líricas por retratarem sentimentos amorosos. Renato, ao responder ao Jô Soares, sabia bem a diferença entre ambos, uma vez que ele se referiu ao Romantismo como ideário poético do século XIX para traçar um paralelo com o seu trabalho.
José Emílio Rondeau, produtor do primeiro álbum da Legião Urbana, ficou impressionado quando conheceu Renato Russo no estúdio, não só pela sua voz e pelas suas letras fortes: segundo Rondeau, Renato “parecia um cavaleiro romântico atravessando tempestades e vendavais para chegar no amor” (Dapieve, 2000: 66).
Ele não foi apenas um poeta romântico de uma fase: Renato Russo viveu as três fases do Romantismo em sua poesia, transcritas para o mundo contemporâneo.
Seguindo a idéia do poeta romântico ser um profeta, um reformador, ou como disse Bosi (2006: 95), “o poeta-vate, o gênio portador de verdades, cumpridor de missões”, Renato conquistou milhares de fãs jovens e adultos, com suas letras de ordem, seus temas confessionais, seus discursos nas apresentações ao vivo, o que fez com que o chamassem de profeta, messias, irmão mais velho da juventude brasileira.
Terno e agressivo, alternando momentos de exultação e de profunda melancolia (alguns o chamariam de depressivo), Renato Russo teve uma vida intensa, curta e conturbada, assim como muitos poetas da segunda geração romântica.
Ele era um insatisfeito com a vida do povo, com os problemas do país:

O Brasil é um país que não é uma nação, onde a vítima é ré, e não se respeita mulher, negro e homossexual (1988). (ASSAD, 2000: 40)

A gente não é como esses caras. Eu sou brasileiro! Esses caras não são brasileiros. Polícia que mata criança, traficante... essas pessoas assim são animais. A gente acredita no Brasil. Existem muitas coisas legais. Ficam querendo que a gente seja ladrão, que seja do jeito que eles são. Nós não somos, não (1993). (ASSAD, 2000: 40)

Em sua melancolia entregava-se aos vícios, principalmente calmantes e álcool. Seu estado de espírito sempre oscilava e, nesses momentos de tristeza encontrava forças para compor letras existenciais, intimistas, que expunham seu coração amargurado e suas feridas emocionais.
Parecia viver num mundo que não era o dele, não conseguia se ajustar ao modo de vida da sociedade, assim como os românticos. Sua insatisfação era bem visível em suas letras, como em “O Teatro dos Vampiros”, do quinto álbum, em que depressão, melancolia, falta de afeto e problemas sociais criam um ambiente carregado e triste:

Sempre precisei de um pouco de atenção
Acho que não sei quem sou
Só sei do que não gosto
E destes dias tão estranhos
Fica a poeira se escondendo pelos cantos.

(...)

Quando me vi tendo de viver
Comigo apenas e com o mundo
Você me veio como um sonho bom
E me assustei:
Não sou perfeito
Eu não esqueço
A riqueza que nós temos
Ninguém consegue perceber.

Segundo Dapieve (2000: 62),

desde muito jovem, Renato tinha crises de depressão, às vezes associada a uma revolta por assim dizer metafísica. Um dia seu pai foi surpreendido pelo barulho vindo do seu quarto. Lá chegando viu-o jogando pilhas e pilhas de livros no chão, com raiva. “O que houve, filho?”, tentou entender. “Não adianta tudo isso aí, pai, elas não têm respostas para as minhas perguntas”, reclamou.


Em 1984, Renato, então com 24 anos de idade, cortou os pulsos devido a uma desilusão amorosa. Isso porque ele era muito carente e capaz de apaixonar-se e se decepcionar com a mesma facilidade (DAPIEVE, 2000: 61).
Ele ficava também muito deprimido com os problemas sociais, parecia que queria realmente carregar o mundo inteiro nas costas. Sua mãe dizia que ele ficava muito deprimido com imagens de pessoas passando fome na Conchinchina e chegava a brigar com seus pais por vê-los assistindo ao telejornal, uma vez que este só mostrava tragédias e desgraças. Por isso Renato preferia se refugiar em seus livros e cadernos culturais (DAPIEVE, 2000: 62).
Em determinado momento de sua vida chegou a dizer para a sua mãe que não era desse mundo. “Meninos e Meninas”, canção do quarto álbum, “As Quatro Estações”, afirma:

Quero me encontrar, mas não sei onde estou
Vem comigo procurar algum lugar mais calmo
Longe dessa confusão e dessa gente que não se respeita
Tenho quase certeza que eu não sou daqui.

Sua insatisfação romântica era bem clara e por isso o desejo de evasão, de fugir de uma cidade grande que não respeita o diferente. Nesse caso, ele fala da sua própria condição de homossexual e todos os preconceitos e hipocrisias existentes na sociedade.
Sua sexualidade não foi segredo para ninguém: com coragem abriu seu coração com sinceridade cativante para o grande público. Sua mãe, no entanto, já sabia de sua homossexualidade desde que o filho tinha 18 anos, quando ele resolveu contar-lhe a verdade (DAPIEVE, 2000: 61).
Suas declarações sempre foram polêmicas, nas apresentações da sua banda ou nas entrevistas concedidas aos meios de comunicação, o que mostra a sua capacidade de usar a palavra e se expressar para o grande público.
Renato Russo descobriu-se portador do HIV em 1990, logo depois de uma grande turnê divulgando o álbum “As Quatro Estações”. Se a vida poderia ser breve, a sua obra seria, com certeza, intensa e produtiva.

Ele comentou várias vezes que era psicótico-maníaco depressivo, por isso alternava momentos em que estava bem e momentos em que estava muito mal. E nessas fases difíceis mergulhava fundo, como já mencionado, nas drogas e, principalmente, no álcool e nos calmantes.
Sobre o álcool, ele comentou:

Bebo porque tem garoto de 15 anos sendo morto pela polícia e menininhas sendo estupradas (1993). (ASSAD, 2000: 24)

Bebia porque sofria; depois, sofria porque bebia. E bebia muito para ser aceito, para que gostassem de mim (1995). (ASSAD, 2000: 25)

Mostrou humildade ao decidir-se ser internado numa clínica para dependentes químicos em Vila Serena, Rio de Janeiro. Lá, descobriu a programação dos doze passos dos Alcoólicos Anônimos e decidiu cuidar da sua saúde. Afinal, ele era muito autodestrutivo e não queria passar uma imagem negativa para o seu filho Giuliano, que na época (1993) tinha apenas quatro anos de idade. Quando saiu de lá, comentou que na clínica eles tentavam devolver a espiritualidade das pessoas (PASSOS, 1995: 26).


Refeito, buscou forças para continuar trabalhando no que ele mais gostava: música, com a Legião Urbana e em dois projetos solo como intérprete (um álbum com sucessos em inglês e outro em italiano).
Dapieve (2000: 154) lembra que Renato teve uma recaída no álcool em 1995 e deu um vexame num vôo na volta de Brasília, aonde tinha ido visitar os pais e o filho (que morava com os avós), para o Rio de Janeiro.
A causa era mais uma desilusão amorosa. Renato, quando se apaixonava, entregava-se de corpo e alma, e ficava muito deprimido quando não dava certo. “Nada é fácil, nada é certo / Não façamos do amor algo desonesto”, cantou ele, já muito cansado e deprimido, em “L’Avventura”, do álbum “A Tempestade”, o último lançado com Renato em vida.
Ele mesmo já havia comentado numa entrevista a Zeca Camargo, em 1993, repórter que na época trabalhava para o canal de televisão MTV (Music Television):

Eu acreditei muito tempo em amor romântico. Hoje em dia eu não acredito em amor romântico, não. Eu acredito em respeito e amizade. De repente, sexo e tudo. Ou, então, expressão física. Mas é assim: respeito e amizade. Porque paixão, essa coisa de amor romântico mesmo, acho que traz muito sofrimento e sempre acaba (1993). (ASSAD, 2000: 27)

Assim, parece certo que a sua depressão ajudou a acelerar os avanços da AIDS, com algumas febres esparsas. Em 1996 a banda entrou em estúdio para gravar aquele que seria o último álbum, “A Tempestade (ou O Livro dos Dias)” – as sobras deste álbum seriam lançadas em 1997 no póstumo e simbólico “Uma Outra Estação” (“estou longe, longe, estou em outra estação”, cantaria Renato neste álbum póstumo, explicitamente um desejo de escapismo para um outro plano, um lugar distante).
Cansado e debilitado pela saúde, sua voz fraquejou nas linhas melódicas mais difíceis, deixando os companheiros Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá, muito tristes, pois percebiam que o seu amigo estava morrendo à vista de todos. Outra saída foi restringir o número de profissionais trabalhando no estúdio, uma vez que Renato não estava bem e se mostrava agressivo a um simples cumprimento (Dapieve, 2000: 159).
Gravou apenas a voz-guia (espécie de rascunho para orientar o músico nas gravações) e não refez mais nada: foi para o seu apartamento e deu orientações por telefone de como o álbum deveria sair. Estava muito irritado e brigou muito com seus amigos, pois achava que eles estavam perdendo a intuição.


Enfim, “A Tempestade (ou o Livro dos Dias)” foi lançado em setembro de 1996 e causou estranhamento na crítica e no público: as letras eram amargas e depressivas.
Renato recusou-se a dar entrevistas e os boatos sobre a sua doença aumentavam cada vez mais, embora ele negasse veemente há um bom tempo. Apenas alguns amigos mais próximos e seus familiares sabiam que ele era soropositivo. O grande público manteve-se ignorante do seu real estado até ao fim.
Assim, no dia 11 de outubro de 1996, Renato Russo faleceu em seu apartamento por complicações decorrentes da AIDS, assistido por enfermeiros particulares e o seu pai, que veio de Brasília para ficar com o filho em seus últimos dias de vida.
A respiração, como disse Dapieve (2000: 14), cedera lugar ao mito.

5 comentários:

  1. Pôxa vida... tenho transtorno bipolar do humor e por acaso, me identifiquei e emocionei com cenas da vida do grande Renato. Tenho álbuns da Legião. As músicas, as letras são mesmo profundas e depressivas. Não sou um ser tão diferente... Renato já sentia o que eu sinto, há muito tempo.

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  2. Eu me identifico muito com o jeito depressivo e melancolico de Renato, sou assim, quero ajudar a todos, mas me sinto solitaria e deprimida.
    E a unica coisa que eu uso são os calmantes.
    Mas admiro e adoro o Renato, me sinto triste em saber que ele não esta entre nós.
    Renato te adoro saudades... Glau

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  3. Nossa sou renato em forma feminina ,me pareço muito com ele,deve ser por isso que o amo tanto!

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  4. Poxa...o que dizer depois dessa maravilhasa manifestação,sem duvidas Parabéns. É muito gratificante para mim,que tambem sou legionária,saber que hoje depois de 15 anos do "sumiço" do Renato (claro,acho que para todos os legionarios o Renato não morreu, pelo menos nao dentro de nós que continuamos nos identificando com suas letras) saber que suas canções continuam tocando as pessoas com a mesma intensidade.

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  5. Caraca.. Sensacional..
    Eu sou lírico.. Com muito de romantismo.. Mas sou lírico..
    Tenho melancolia mas não sou depressivo.
    Gosto da vitoria sobre a melancolia, gosto de saborear que sou mais forte que ela.. Que de vez em quando insiste em me pegar..

    Muito bom entender como somos

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